TRAITEUR ASIATIQUE: como Paris se transformou em uma capital da cozinha asiática

Primeiro um champanhe, o Bollinger Rosé. Depois, um belo Sancerre, do Domaine Vacheron. Sobre a mesa, um banquete digno de imperadores. Não da França, mas da China. No restaurante Shang Palace, com decoração tão digna da realeza quanto o menu, reforço o que já sabia. Alguns vinhos franceses parecem ter nascido para acompanharem a cozinha asiática. Pratos típicos do Japão, do Vietnã, da Tailândia e da China, em suas mais variadas vertentes, das mais delicadas às mais opulentas, sempre vão encontrar na enologia gaulesa um vinho pra chamar de seu. E esse entrosamento deixa ainda mais saboroso o roteiro pelo lado asiático de Paris.

O restaurante Shang Palace está no hotel Shangri-la, um outro entrelace entre as culturas da França e da China. Quase de frente para a Torre Eiffel, com uma das melhores vistas para o monumento, o hotel funciona no prédio que era a antiga casa do neto de Napoleão Bonaparte, Príncipe Roland Bonaparte. Um palácio com quartos espaçosos, lobby com piso de mármore e, entre os seus restaurantes, tem um chinês de primeira linha, que em seu primeiro ano de funcionamento logo conquistou a sua estrela Michelin.

Para acompanhar o Champanhe rosé e o Sancerre, há pratos cantoneses sob medida, no menu degustação que é a melhor escolha ali. O percurso traz delicados bolinhos de camarão cozidos no vapor, e os crepes com massa de arroz vermelho recheadas com camarões, uma bela apresentação, valorizada pelo caldo de sabor intenso, avermelhado, ligeiramente apimentado, que fica bem tanto com o espumante quanto com o branco do Loire.

França e Ásia dão uma boa liga, e hoje Paris é uma das melhores cidades de toda a Europa, e do mundo ocidental, para explorar os sabores e as formas do extremo Oriente, entre outras razões porque a imigração de países como Vietnã, Laos e Tailândia foi natural: a Indochina inteira já foi colônia francesa.

Por isso, não faltam na capital francesa bons restaurantes dessas especialidades, e em todo o canto encontramos as providenciais casas que se denominam “traiteur asiatique”: são dezenas delas, servindo (boa) comida pronta, apresentada em balcões vistosos, com camarões agridoces, patos laqueados, rolinhos primavera, sanduíches picantes vietnamitas, com carne de porco e cenoura- menu muito apropriado para ser levado para um piquenique, quem sabe com uma garrafa de Champanhe rosé ou de Sancerre. Muitas delas estão no Quartier Asiatique, no 13º arrondissement, a maior concentração de casas orientais de Paris.

Porque a capital francesa não tem um bairro oriental apenas, como várias cidades do mundo. Na verdade, tem algumas vizinhanças asiáticas, onde vivem imigrantes de países como China, Laos, Camboja, Vietnã, entre outros. Pela cidade encontramos vários enclaves étnicos, e diversos monumentos ligados ao extremo Oriente, como a Maison Loo, o belo pagode vermelho-atijolado que enfeita a esquina das ruas de Courcelles e Rembrandt.

Sem esquecer do icônico Oalais de Tokyo, sempre uma boa visita, com as suas mostras de arte, a sua ótima livraria e o seu restaurante panorâmico com vistas arrebatadoras da cidade, com a Torre Eiffel e o Rio Sena em destaque.

O mais importante e populoso desses enclaves étnicos está exatamente no 13º arrondissement, numa área triangular, formada pelas avenidas de Choisy e d’Ivry com o boulevard Masséna, conhecida como “Quartier Chinois”, ou “Quartier Asiatique”. Ali os moradores têm olhos puxados, os cardápios muitas vezes trazem caracteres que ocidentais não reconhecem, e o comércio tem estabelecimentos como o supermarché Tang Frères, especializado em produtos asiáticos, raridade em Paris, onde o vinho pode ser de arroz, e o queijo é de soja.

Por ali encontramos alguns dos mais autênticos restaurantes asiáticos de Paris, com destaque para os vietnamitas, lugar certeiro para comer, entre outras coisas, as suas sopas ardentes, perfumadas e condimentadas (a sopa típica, o pho, tem, não por coincidência, a mesma pronúncia do francês feu – fogo). Muitos parisienses vão até lá só para saborear a cozinha de casas como o Pho Tai e o sempre cheio e badalado Pho Banh Cuon 14. Ali, come-se bem gastando pouco, numa das maiores barganhas gastronômicas da cidade.

A gastronomia é dos elementos mais importantes desse roteiro, e em Paris encontramos uma via inteirinha dedicada à cozinha japonesa. Trata-se da Rue Sainte-Anne, também conhecida pelo anglicismo de “Little Tokyo”, e a Passage de Choiseul.

Na rua, e no corredor típico parisiense, até as padarias e cafés têm nomes em japonês e servem produtos típicos.

Nas redondezas, há casas de sushi e móveis do Oriente, além de algumas outras “traiteur asiatique” e até lojas de grifes japonesas, bem como outras bem específicas, dedicadas a temas como mangás, com revistas e a tradicional “toy art”.

Moda e gastronomia também se encontram nesta Paris oriental. Funcionando em uma cúpula envidraçada com privilegiada vista da cidade, o restaurante Kong está na cobertura do prédio da Kenzo, na margem direita do Sena, quase debruçada sobre a bela Pont Neuf (o endereço é revelador de sua posição: 1 rue du Pont Neuf). Lugar de badalação, gente jovem e animada, com uma decoração vistosa e moderna, feita de cadeiras de acrílico com fotos de modelos orientais aplicadas nelas.

O cardápio celebra esse encontro entre a França e o Japão, na forma de pratos que nos soam bem aos ouvidos e que agradam aos mais exigentes paladares. Tem satay de poulet; tartare de thon; avocat ”hot & spicy”; hot dog de homard; sashimi de st jacques; champignons asiatiques poêlés, sauce yuzu; magret de canard aux baies de sichuan; e até um udon à la truffe noire de Bourgogne “Maison de la Truffe” um repertório franco-nipônico de encher os olhos.

Também tendo a cozinha como fio condutor do passeio, uma boa região para exporar gastronomia asiática é a área de Montmartre, com destaque para a Rua des Abesses, e cercanias, onde há desde restaurante tibetano, o Gang Sengo, na Rue Lepic, até casas pan-asiáticas.

Um dos endereços mais movimentados do pedaço é o pequeno Shanghai, outra “traiteur asiatique”, onde são servidos ótimos pratos chineses (e tailandeses, indianos…), para serem levados para casa, ou mesmo para um bom piquenique. São bons, bonitos e baratos. Há um “canard laqué” impedível.

Nas vitrines vistosas encontramos ainda satay de frango, “raviolis à la shangaienne” (ou seja, guiozas), samoussas, e uma infinidade de tipos de arroz, e outras receitas do oriente.

O mais recente capítulo desta invasão oriental em Paris acontece na hotelaria. Grande redes asiáticas (chinesas, mais precisamente) chegaram à capital francesa para brigar — de igual para igual — com grandes marcas, ícones da cidade, como Plaza Athenée, Le Meurice, Le Bristol, Royal Monceau e Ritz, entre outros monumentos (e em parte essas cadeias chinesas foram responsáveis pela renovação que todos esses grandes hotéis de Paris passaram nos últimos anos, e ainda estão passando).

Primeiro foi a vez do Mandarin Oriental, instalado na muito chique Rue Saint-Honoré, perto do Louvre, e onde pulsa o coração da moda parisiense.

Depois, o Shangri-la não deixou barato: a rede comprou o palácio erguido em 1896 para abrigar o príncipe Roland Bonaparte, sobrinho-neto de Napoleão.

E o mais recente capítulo dessa história, certamente não o último, foi a chegada a Paris de outra marca emblemática da hotelaria de alto luxo na Ásia: Peninsula. Inaugurado em junho deste ano na Avenue Kléber, uma das que partem do Arco do Triunfo, também está instalado em um edifício suntuoso, que abriu as portas para os hóspedes em 2014, completando a trilogia de ouro da hotelaria chinesa. É a primeira unidade do grupo na Europa, com 200 quartos e pelo menos dois restaurantes dignos de nota, o chinês Lili e o L’Oiseau Blanc, de espírito francófilo, este último com um bar no terraço com vista especial da… Torre Eiffel. Perfeito para pedir uns petiscos, asiáticos ou não, e uma boa taça de champanhe (rosé ou não), Sancerre – ou Riesling alsaciano, ou Côtes-Rôtie, ou Pomerol, ou Nuits-Saint-Georges… É fundamental reservar. Porque a rede Peninsula chegou com tudo a Paris, e os seus restaurantes vivem lotados de clientes atraídos não só pela boa mesa e pelo serviço asiático sempre impecável, mas também pela muito parisiense arte do ver e ser visto.
